Ao mesmo tempo que temos visto uma proliferação de produções sobre produtos e empresas (Air, Barbie, We Crashed, The Dropout), tanto em séries quanto em filmes, dá para observar também uma curiosidade em retratar o cenário da alta gastronomia (The Bear, The Menu, Fome de Sucesso). Agora podemos adicionar uma que retrata o mundo misterioso e sofisticado dos vinhos, o qual é o interesse da minissérie Gotas Divinas.
Apesar de ser o elemento que conecta a narrativa, baseada em mangá Kami no Shizuku e disponível no streaming da Apple TV+, o vinho e a maneira como a série consegue ser muitas vezes também educativa não é o que a torna um ótimo achado no catálogo da Maçã: mas sim as relações familiares e a humanidade que Gotas Divinas consegue imprimir à trama.
A história acompanha Camille Léger, que é chamada às pressas para o Japão uma vez que o seu pai, Alexandre Léger — uma figura importante na enologia — morreu. Anos sem vê-lo, após a separação dos pais quando ela ainda era criança, Camille é surpreendida na leitura do testamento que precisa participar de um teste para herdar todo o patrimônio do pai.
A competição envolve Issei Tomini, o qual seu pai adotou como pupilo reconhecendo nele a mesma habilidade de identificar sabores que o próprio Léger treinou a filha para alcançar.
Nessa trama, Gotas Divinas assume uma construção importante ao emoldurar os dois personagens em conflitos que eles precisam superar. Enquanto Camille refuta a ideia de voltar à órbita do pai, o grande sonho de Issei Tomini se encontra no mundo dos vinhos. A sua família é contra, pois o pressiona para assumir o império de pedras preciosas da sua mãe e avô.
Nesse sentido, a série toma decisões visuais bem interessantes no percurso de desvendar os mistérios por trás dos testes que Alexandre Léger deixa pelo caminho. A principal é em relação ao design de produção, bem original e que coloca o espectador na mente de Camille enquanto ela escava em suas pesquisas internas para encontrar os sabores e desvendar os cheiros.
Por outro lado, a narrativa de Gotas Divinas comete um deslize ao transformar a mãe de Camille em uma espécie de antagonista ao pai, como se a culpasse pelo afastamento da filha. Apesar de ter dado foco nisso nos primeiros episódios, Gotas Divinas prefere esquecer essa trama e não a resolve.
Porém, isso não nos impede de continuar na série porque o mundo que ela retrata é muito fascinante. Gotas Divinas retrata dois personagens meio perdidos no mundo, mas que encontram no teste (ou seria no vinho?) uma direção.
Pode não ser demais, afinal, dizer que Gotas Divinas é sobre como o vinho une culturas e pessoas. O que eu sei é que, após cada episódio, dá uma vontade grande de degustar alguns daqueles rótulos.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)