“Pluribus” é uma alegoria bem feita sobre (quase) tudo

“Pluribus” é uma alegoria bem feita sobre (quase) tudo

Uma das principais questões que Pluribus, série da Apple TV criada por Vince Gilligan (Breaking Bad, Better Call Saul), provoca é o questionamento sobre o que estamos sentindo. Isso porque, à medida que acompanhamos os episódios, a trajetória da protagonista Carol Sturka (interpretada magistralmente por Rhea Seehorn) e aquilo que ela atravessa tratam de uma experiência traumática ainda recente: quando, há poucos anos, o mundo simplesmente parou com o surto de COVID e fomos forçados a nos perguntar — e agora?

Esse sentimento está no centro de Pluribus desde o momento em que a liberação de um vírus desconhecido, mas de origem extraterrestre, transforma quase toda a população humana da Terra em uma mente coletiva. Sabe-se que, no dia do incidente, mais de um bilhão de pessoas morreram, entre elas a companheira de Carol – Helen (Miriam Shor). Ela sobrevive, ao lado de apenas outras onze pessoas que não foram afetadas.

Entre esses sobreviventes, além de Carol — que acompanhamos ao longo dos nove episódios —, a série apresenta Manousos (Carlos-Manuel Vesga), um homem paraguaio desconfiado que toma conhecimento da existência dela por meio de vídeos amadores enviados por Carol na tentativa de reunir e alertar os não infectados para, juntos, salvarem o mundo. A partir disso, Manousos parte em sua própria jornada para encontrá-la, algo que só se concretiza no final da temporada.

Enquanto o objetivo da mente coletiva é assimilar os poucos humanos restantes e trazê-los para o seu lado, Carol se mantém implacável em sua decisão de encontrar uma forma de reverter o vírus e restaurar o mundo como o conhecemos. Escritora best-seller em sua vida pré-vírus, ela passa a investigar e registrar obsessivamente suas descobertas em um quadro-branco, tentando entender o que essa nova entidade deseja — e, em termos narrativos, é basicamente isso que acompanhamos ao longo dos nove episódios.

Mas essa é apenas a camada mais visível da série. À medida que Vince Gilligan aprofunda a trama, Pluribus se revela uma alegoria precisa para diferentes temas que atravessam os debates contemporâneos. Nos primeiros capítulos, por exemplo, a série funciona como uma metáfora particularmente bem ajustada sobre a Inteligência Artificial: essa mente coletiva recém-formada responde a todos os comandos de Carol, esclarece dúvidas e se mostra sempre disposta a servir.

Com o passar do tempo, porém, mesmo vivendo em um mundo bizarro e potencialmente aterrorizante, há quem se deslumbre com esse novo modo de vida, em que desejos são prontamente atendidos e a liberdade parece absoluta. A insistência de Carol em resistir a esse sistema a leva a tomar medidas desesperadas, o que acaba afastando a mente coletiva e impondo que ela viva completamente sozinha em Albuquerque. Aquilo que inicialmente parecia fascinante se transforma em uma depressão profunda, culminando no momento em que Carol implora para que todas aquelas pessoas voltem. Trata-se de um gesto profundamente humano — afinal, fomos feitos para viver em sociedade, por mais complexa e difícil que ela seja —, mas que ocorre em um mundo, construído agora, justamente como a negação dessa convivência.

Quando Carol parece começar a se adaptar a essa nova realidade — especialmente ao se apaixonar por sua “supervisora”, Zosia (Karolina Wydra) — que acontece o encontro físico e presencial entre ela e Manousos. Ele carrega o mesmo senso de urgência que acompanhamos em Carol no início da série, mas agora sob outra perspectiva. Já Carol, por sua vez, ergue diversas barreiras — para além da óbvia questão da língua — que conduzem à pergunta central do final da temporada: “você quer escolher a garota ou salvar o mundo?”.

Entre optar pelo amor e permanecer nesse mundo desconhecido ou tentar salvá-lo ao custo de perder essa paixão, é esse o dilema que se impõe a Carol. Um verdadeiro quebra-cabeça emocional, repleto de sentimentos reconhecivelmente humanos, mas tratado de forma tão imprevisível — dado o modo como Gilligan conduz a série ao longo desses nove episódios — que apenas um evento parece capaz de fazê-la seguir ao lado de Manousos: a sensação de traição por parte de Zosia (leia-se também: dessa supermente conectada por bilhões de pessoas).

Chegar ao fim da temporada é, portanto, atravessar uma espécie de curva de aprendizado. Aprendemos quem são esses personagens, o que o vírus possivelmente provoca e como funciona esse novo mundo que eles agora habitam. Mas é também o encontro com uma narrativa deliberadamente obscura, cujo ritmo intencionalmente mais lento exige maior atenção do espectador.

E com a segunda temporada já garantida, está claro que Pluribus tem ainda muito a revelar.

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