Assistir um filme no cinema atualmente é sobre quanto se está disposto a gastar

Assistir um filme no cinema atualmente é sobre quanto se está disposto a gastar

Anos atrás, ainda na minha adolescência, pedi a meu pai um dinheiro para ir ao cinema — numa época em que eu assistia dois a três filmes por semana — e meu pai, sem nenhuma noção do custo de qualquer coisa, me deu R$ 10. Com meia-entrada, até era possível. Mas eu também tinha que pagar o transporte e queria algum lanche. Refutei e ele me deu R$ 20.

Hoje, sair de casa com R$ 20 para ir ao cinema é inviável – mesmo com meia entrada. Já tinha uma ideia de que os ingressos estavam caros, como tudo no país, mas isso ficou mais real ao marcar para assistir Indiana Jones e O Chamado do Destino.

Mais do que nunca é preciso fazer conta e escolhas, pois o entretenimento se transformou também em um investimento. Não é mais um dinheiro que se gasta pela diversão. É preciso colocar na ponta do lápis tudo que envolve e se, ao final, haverá retorno.

Tomando a realidade de Salvador onde moro, ingressos para dois adultos em uma sessão de sexta-feira custa R$ 28/cada – nem estou considerando as salas gourmet. Adicione mais R$ 50, caso você queira uma pipoca (não gosto dentro do cinema, mas o público em geral consome).

Só aí se vão quase R$ 100 para desfrutar desta experiência. Não me entenda mal: nada supera assistir um filme na sala de cinema. Não há distrações, é como estar imerso em outra dimensão.

Mas nessas situações, com ingressos caros e a possibilidade de se tornarem ainda mais inacessíveis uma vez que nos Estados Unidos as empresas estão testando modelos em que ingressos para poltronas no meio custam um valor e outras posicionadas nas laterais custam outro, a única opção é escolher com cuidado os filmes que se pretende assistir.

Agora não vamos ao cinema por qualquer filme que esteja em exibição. Largar o conforto do sofá de casa e se deslocar até algum shopping, pagar estacionamento e ingressos custando tão alto, começa a valer a pena somente em situações especiais, isto é, em filmes que realmente devem ser assistidos em uma grande tela e compartilhando a experiência com outras pessoas.

Mudando de estratégia

A inflação alta faz com que todo mundo escolha opções mais econômicas de diversão. E isso afastou o público do cinema, que já havia sofrido consequências desse movimento nos tempos de COVID-19.

Para reconquistar o público, ou fazê-lo reaproximar da experiência de ir ao cinema, as principais redes que operam no Brasil adotaram estratégias como assinatura mensal e pacotes de tíquetes mais baratos. É implementar o sistema de recorrência que as plataformas de streaming operam e que, por algum tempo, foi inovador e deu certo. Agora, já dá sinais de fadiga.

A rede Cinemark, por exemplo, a qual representa cerca de 30% do mercado brasileiro segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgados em 2022, lançou no ano passado o Cinemark Club, um programa de assinatura que oferece descontos, prêmios e ingressos a clientes por meio do pagamento de uma mensalidade.

Segundo a empresa, é uma economia que representa 50% em relação ao preço original. Com R$ 29,90/mês o consumidor tem direito a dois ingressos para sessões 2D, que podem ser usados em qualquer dia da semana.

Problema não é só no Brasil

Mas essa não é uma questão que afeta apenas as redes de cinemas do Brasil. Nos Estados Unidos, a indústria de Hollywood vê esse verão com grande preocupação. Filmes que deveriam atrair multidões e alavancar as operações como The Flash (Warner/DC) e Elemental (Disney/Pixar) tiveram resultados aquém do esperado no primeiro final de semana de exibição.

Expectativa era que Flash pudesse fazer US$ 500 a US$ 600 milhões globalmente. Mas a curva do público entre o primeiro e o segundo fim de semana caiu drasticamente (72,5%), segundo pior declínio (atrás apenas de Morbius) para uma produção de super-herói. Já Elemental abriu a estreia com US$ 29,6 milhões, a pior de uma produção da Pixar.

Tudo isso significa, para os especialistas, que a receita da temporada pode não atingir os níveis pré-pandêmicos de US$ 4 bilhões como se havia previsto, o que coloca ainda mais pressão para que filmes como Missão: Impossível – Acerto de Contas, Parte 1, Barbie, Oppenheimer e Indiana Jones e O Chamado do Destino recuperem algum terreno.

Isso não significa, porém, que o cinema vai morrer (calma!). As redes precisarão se reinventar, buscar alternativas em outros eventos como peças teatrais, espetáculos musicais, eventos esportivos ou campanhas promocionais em estreias para expandir a audiência – enquanto também a própria indústria se recupera dos atrasos provocados nas grandes produções em razão da pandemia.

Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link).