Em novo documentário, Barack Obama busca entender as novas questões do trabalho

Em novo documentário, Barack Obama busca entender as novas questões do trabalho

Pouco depois de ter encerrado o seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama e sua esposa, Michelle Obama, fundaram a Higher Ground, uma produtora para financiar projetos audiovisuais. E o primeiro trabalho foi Indústria Americana, que venceu o Oscar de Melhor Documentário em 2020.

O filme desce até o chão de fábrica para entender o impacto nos trabalhadores de uma antiga planta da General Motors adquirida pela chinesa Fuyao.

Agora em Trabalho, série documental dividida em quatro partes lançada pela Netflix, Obama persiste em sua obsessão pelo tema e de compreender o impacto que novas tecnologias como Inteligência Artificial podem gerar na dinâmica de trabalho que passa por um momento de desconstrução.

Para isso, Obama se inspira, e tenta atualizar, o estudo do livro Working, de Studs Terkel.

Lançado em 1970, e admirado pelo próprio Obama (ele conta isso na série), Terkel entrevistou 100 pessoas dos mais diversos setores e funções da hierarquia organizacional para oferecer um retrato sobre a expectativa das pessoas daquela década em relação ao próprio trabalho.

Partindo desse ponto, o ex-presidente foca seus esforços no setor de prestação de serviços e escolhe hotelaria, saúde e tecnologia para jogar luz no dia a dia de pessoas comuns e em como elas estão lidando com o trabalho.

A estrutura narrativa transportada do livro para o documentário funciona bem e revela uma característica já conhecida: a desigualdade.

Se nos primeiros episódios a série retrata uma boa porção de mulheres que contam histórias de superação, à medida que a narrativa avança para apresentar personagens de escalão maiores, as mulheres basicamente desaparecem e vemos um mundo corporativo tomado por homens, brancos, os mesmos responsáveis pelas decisões que impactam essas mulheres que estão embaixo, lutando por um salário justo.

E mesmo quando vemos a história focada nos cargos de CEO, a desigualdade se revela ainda maior ao vermos duas pessoas (uma mulher e um homem) que ocupam o mesmo cargo, de presidência, e a diferença salarial é absurda entre os dois: ele ganha milhões de dólares ao ano, enquanto ela consegue 34 mil dólares (na melhor das hipóteses).

Nesse sentido, apesar das boas intenções de Barack Obama em oferecer uma atualização ao estudo do livro e também em humanizar as dificuldades da maioria desses personagens, Trabalho tem um problema que particularmente me incomoda: o de nunca apontar a responsabilidade.

Por que temos mais e mais pessoas com até três empregos, ou se dedicando a trabalharem para empresas como Uber sem terem um seguro desemprego, saúde ou pagamento justo?

Não me parece que a culpa está apenas nas empresas de tecnologia – lógico, elas têm a sua parcela. Mas os políticos, e suas decisões que por vezes instabilizam a economia, também precisam ser responsabilizados. A conversa entre Obama e o presidente de um gigante grupo empresarial, no episódio focado nos “Dream Jobs”, revela esse desconforto.

No geral, contudo, Trabalho oferece boas reflexões a partir das entrevistas e narrações que pontuam acontecimentos determinantes que fizeram a sociedade americana – e global – chegar onde chegou.

Tirando a presunção de se posicionar na tentativa de atualizar um estudo tão robusto, Trabalho não falha em deixar seu ponto de vista: temos, enquanto sociedade, um longo caminho a ser percorrido.

[Texto originalmente publicado na ~newsletter Sob a Minha Lente~]

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