“O Agente Secreto” mostra os perigos de governos autoritários

“O Agente Secreto” mostra os perigos de governos autoritários

O curioso de O Agente Secreto, novo filme dirigido e escrito por Kleber Mendonça Filho, é que o herói da história, Marcelo (interpretado com brilho e melancolia por Wagner Moura), não é nenhum agente secreto de verdade ou sequer disfarçado. Ele só precisa viver como um, em meio à perseguição política dos tempos de ditadura que perdurou no Brasil por vinte e um anos.

Dessa maneira, logo na primeira vez que vemos Marcelo, quando ele para seu fusca amarelo para abastecer antes de continuar a viagem de retorno ao Recife, em 1977, já é possível sentir o peso e o trauma que o personagem carrega. Isso só aumenta o interesse em entender o que aconteceu com ele durante aquele período, como sua vida foi impactada e, mais ainda, por que ele precisa se esconder, juntamente com outros refugiados, no prédio administrado por Dona Sebastiana (Tânia Maria).

A sombra da ditadura está presente em cada quadro de O Agente Secreto. E isso se dá justamente pelo que não é dito ou mostrado por Kleber Mendonça Filho. Ao se viver em um regime ditatorial, certos posicionamentos e formas de expressão não são tolerados e são punidos de maneira violenta. Dessa forma, os personagens cochicham aqui e ali, se escondem com receio de serem encontrados e levados sem saber se irão voltar, mantendo-se em estado de alerta total para ameaças invisíveis — seja por alguém escutando ou observando seus passos.

Em determinado momento da história, a vida de Marcelo realmente está em perigo quando uma dupla de matadores, Augusto (Roney Villela) e Bobbi (Gabriel Leone), é contratada para matá-lo devido a um caso antigo que remonta ao período em que Marcelo era pesquisador na universidade, a qual teve seus fundos de pesquisa cortados quando a ditadura começou.

O Agente Secreto conduz uma narrativa paralela à principal ao apresentar duas pesquisadoras investigando áudios e recortes de jornais da época, na tentativa de decifrar e compreender certos acontecimentos. É um exemplo claro da importância de o país não apenas preservar sua memória e seu passado, mas enfrentar seus demônios e punir os responsáveis.

Em tempos em que o debate sobre anistia voltou à tona no país, após os ataques às instituições políticas em 8 de janeiro, filmes como O Agente Secreto e Ainda Estou Aqui surgem para relembrar o quão perigoso e devastador é para uma sociedade viver sob um regime autoritário. Apesar de ambientado em 1977, O Agente Secreto explora temas que permanecem atuais, porque a corrupção, a perseguição e a indiferença seguem intactas — seja na sociedade de hoje ou na de quase cinquenta anos atrás.

Apesar de todo o peso dramático da narrativa, há momentos em que Kleber Mendonça Filho apazigua e se entrega ao surrealismo para efeito cômico, como na história da perna de um indivíduo que perambula pelo centro de Recife ameaçando seus transeuntes. É um tipo de realismo fantástico tão comum nos nossos lados de cá, da América Latina, e que de alguma forma também nos identifica como povo.

Assim, essa sensibilidade de Kleber Mendonça Filho, já com a carreira de cineasta sedimentada após O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, faz com que O Agente Secreto não se torne um filme sobre a ditadura em si e sobre o sequestro das instituições que protegem a liberdade em todos os sentidos. Ao trazer a narrativa para Recife, em meio ao Carnaval, o filme se revela sobre pessoas comuns e inocentes vivendo um horror que hoje, após os anos de Bolsonaro, conseguimos imaginar e temer.

O Agente secreto (the secret agent, 2025)

Diretor: Kléber Mendonça Filho
Roteiro: Kléber Mendonça Filho.
Elenco: Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Tânia Maria, Thomás Aquino, Gabriel Leone, Udo Kier, Alice Carvalho, Kaiony Nascimento e Enzo Nunes.
Duração: 158 minutos
Disponível: Cinemas

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