‘Segredos de um Escândalo’ é um filme de complexas camadas

‘Segredos de um Escândalo’ é um filme de complexas camadas

Há três ou mais pontos de vista em Segredos de um Escândalo (nos cinemas e em breve no catálogo da Netflix), novo filme do diretor Todd Haynes (Carol). E cada um deles se revela à medida que a narrativa se aprofunda na história.

A trama acompanha Elizabeth (Natalie Portman), uma atriz em pesquisa para começar as filmagens de um novo filme. Nele, Elizabeth interpreta uma mulher condenada por estupro de um garoto de 13 anos. Em seu processo para interpretá-la, ela parte para conhecê-la, Gracie (Julianne Moore), e estudá-la. Assim, ela também começa a conversar com a família, concebida por um escândalo sexual (real, por sinal) que chocou a comunidade, e com alguns vizinhos que aceitam falar.

Todd Haynes primeiramente se inspira em Persona (1966), clássico de Ingmar Bergman, para apresentar o processo de transformação de como Elizabeth pouco a pouco vai se tornando Gracie, estudando e copiando seus maneirismos, perguntando as maquiagens que usa e introduzindo os mesmos tons de roupa que ela utiliza em sua forma de se vestir.

A inspiração não está apenas no processo, mas também nos close-ups, que revelam uma tensão desconfortável, e nos enquadramentos de perfil, que ressaltam as absurdas similaridades.

Ao mesmo tempo temos a perspectiva de Gracie, essa mulher condenada por um crime terrível (porque ser flagrada traindo o marido é o menor dos problemas aqui). Ao cumprir a pena, em algumas fases até grávida, continuou o relacionamento com o adolescente.

E a história chega em Joe Yo (Charles Melton, que deveria estar ganhando todos os prêmios de Ator Coadjuvante pela performance nesse filme), por onde enxergamos o outro lado dessa trama. Claramente traumatizado pela experiência de ter sido molestado por Gracie, mesmo assim eles mantiveram a relação.

Mas em determinado momento de Segredos de um Escândalo, a gente como espectador se questiona se até que ponto ele não foi manipulado para deixar isso continuar e passar a ser consentido.

Apesar da boa atuação de Natalie Portman, que às vezes não sei quando é Elizabeth ou Gracie, Joe Yo ainda parece o menino de quando foi violentado por Gracie, ingênuo e sem a malícia dos adultos. Vê-lo, talvez, se dando conta disso é uma das trajetórias mais extenuantes (e tristes) do filme.

Há uma angústia quando o foco de Segredos de um Escândalo passa a ser Joe, vivendo praticamente em uma gaiola assim como as borboletas que ele cria na sala de casa. Uma metáfora forte que funciona também quando ele é sensível o suficiente para libertá-las no momento certo. Uma liberdade que ele próprio também gostaria de experimentar e sentir.