Em 2022, The Bear foi uma das grandes surpresas que estrearam na televisão. Boa parte disso porque a trama que acompanha Carmy, um famoso e premiado chef que retorna à cidade natal, Chicago, para gerir o restaurante da família após a repentina morte do irmão, trazia o frescor que às vezes falta no meio de tantas produções comuns que pintam semanalmente no streaming.
A primeira temporada, disponível no Star+, se passa quase sempre dentro da cozinha e foca em Carmy, na maneira como ele lida com as relações conturbadas que, possivelmente, o fizeram sair de Chicago. The Bear dá uma virada drástica no segundo ano, que é mais sobre crescimento e movimento em meio à transição do restaurante que está passando por uma profunda reforma para dar lugar a um estabelecimento novo e diferente.
Não à toa a direção de The Bear dessa vez pontua os episódios com passagens que exibem imagens dos trens de Chicago, dos seus arranha-céus e de pessoas se movimentando. Situações do cotidiano que foram interrompidas durante a pandemia, moldura que The Bear usa para apresentar o número de restaurantes, famosos ou não, que não sobreviveram.
Além de funcionar como um contraponto à filmagem intensa do dia a dia de uma cozinha (seja de casa ou de um restaurante), no qual tomadas em primeiro ou primeiríssimo planos são a ordem, The Bear quebra o ritmo frenético para trazer contemplação e respiro. É a série dizendo para os chefs que existe um mundo lá fora.
Isso se traduz em um dos episódios, quando um chef fala que “você pode passar o tempo todo do mundo aqui”, se referindo ao ambiente claustrofóbico e intenso da cozinha. E esse mesmo chef completa que se “você não passar muito tempo lá fora…”
The Bear completa o pensamento para o espectador com essas sequências: é exatamente longe das quatro paredes de uma cozinha que é possível crescer e experimentar.
Um restaurante é mais do que apenas servir os seus clientes, mas é entregar uma experiência que farão eles desejarem voltar. Não se aprende ou conquista isso olhando apenas para si mesmo e enfiado em sua própria bolha.
Isso funciona para qualquer profissão, claro.E The Bear desenvolve essa trama magistralmente, com todos os ingredientes tradicionais que fisgam a audiência: humor, romance, personagens vivendo no limite, grandes interpretações e aparições surpresas de estrelas que vão de Jamie Lee Curtis a Olivia Colman.
A filmagem permanece caótica, diálogos corridos e muito barulho sobreposto que reforçam a sensação de descontrole, como se a qualquer momento fosse explodir. E explode: ora de riso e alegria, ora de emoção e tristeza.
Por isso que a segunda temporada de The Bear é sobre os personagens terem coragem, para enfrentarem os traumas e saírem da zona de conforto. Isso para, quem sabe, serem pessoas e profissionais melhores no meio de um jogo capitalista que não se importa em deixar corpos ou negócios para trás.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)