Considerado um dos “três grandes” festivais de cinema, ao lado de Veneza e Berlim, o Festival de Cinema de Cannes começa no dia 17 de maio. Os olhos da indústria cinematográfica se voltam para o evento, onde exibirá filmes de Martin Scorsese, Wes Anderson, Hirokazu Kore-eda, Ken Loach, Alice Rohrwacher, Jessica Hausner, dentre tantos outros autores.
O prêmio cobiçado é a Palma de Ouro e a chance de catapultar uma produção para a temporada de premiações que se inicia no segundo semestre. Uma corrida que mais do que o glamour da condecoração, é a chance da indústria também resgatar no público o desejo de ir ao cinema nesses tempos de streaming e tudo ao alcance de uma assinatura e uma SmarTV.
Mas por que exatamente o festival é tão importante e um dos mais prestigiados do mundo?
Em doze dias de festival, estrelas desfilam no tapete vermelho enquanto produtores, estúdios e distribuidores tenham fechar o máximo possível de negociações. É uma grande corrida, não só para os críticos que assistem a quatro ou cinco filmes por dia, selecionados para cobrirem o festival uma vez que o evento não é aberto ao público, mas também para os profissionais que atuam fora dos holofotes. Mas antes de chegar no formato que o festival tem hoje, importante contar um pouco da história bem rapidamente.
Originalmente lançado em 1938, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o festival foi apresentado pela primeira vez como um rival de Veneza, que havia sido usado como máquina de propaganda pelo Partido Fascista Italiano. A primeira edição viu as maiores estrelas de Hollywood serem transportadas para o Sul de França num Ocean Liner fretado pela MGM Studios, com Gary Cooper, Cary Grant, Norma Shearer, Spencer Tracy e James Cagney a bordo.
No entanto, foi cancelado apenas dois dias depois, após a invasão da Polônia pela Alemanha, com as potências do Eixo da França e do Reino Unido entrando em guerra. O festival de Cannes voltou em 1946, com a iteração atual sendo sua 76ª edição. Na década de 1960, viu atores da realeza como Brigitte Bardot, Sophia Loren e Elizabeth Taylor caminhando no famoso tapete vermelho de La Croisette, enquanto a realeza real, incluindo Diana, princesa de Gales, já compareceu. Ao longo dos anos, premiou tudo, desde Pulp Fiction até La Dolce Vita.
Mostras do Festival
Apenas alguns filmes são selecionados, normalmente trabalhos de diretores já consagrados ou mesmo prestigiados e que já tiveram outros títulos exibidos no evento. Pelo menos 20 filmes são indicados para a Mostra Competitiva. Estes concorrem ao grande prêmio: a Palma de Ouro. Além desta, outras mostras e eventos acontecem em paralelo:
- Un Certain Regard: filmes que terão distribuição limitada nos cinemas, mas que apresentam estética e objetivos singulares, de cineastas que produzem o “cinema de autor”. Aqui é uma chance dessas obras ganharem algum reconhecimento internacional, o que podem ajudar no fechamento de alguma negociação para serem exibidos para a grande audiência depois.
- Fora de Competição: filmes que o júri, o qual ainda não havia sido comentado mas que é escolhido pelo diretor artístico do festival, desejam reconhecer mas que não se encaixam na programação oficial. Nesse ano, por exemplo, há uma grande expectativa por Killers of the Flower Moon, novo filme de Martin Scorsese e o primeiro trabalho dele para a Apple TV+, que vai estrear no festival justamente fora de competição. Em anos anteriores já foram exibidos títulos como Drive, Bohemian Rhapsody e Rocketman – para os citar os mais recentes.
- Cinéfondation: filmes para alunos atualmente matriculados na Escola de Cinema. As obras não podem exceder uma hora de duração.
Existem também Sessões Especiais, Sessões da Meia-Noite, Homenagens e outros eventos paralelos utilizados para chamar a atenção da indústria como um todo e, principalmente, da imprensa.
E então, por que Cannes é tão importante?
É possível responder a essa pergunta com dois elementos: exclusividade, pelo número limitado e cuidadosamente selecionado de filmes, e longevidade, longa história de estar no mapa da indústria. Ganhar a Palma de Ouro pode lançar carreiras ou consolidar outras. Só para citar, Cannes foi o responsável por lançar ao mainstream diretores como Quentin Tarantino e Steven Soderbergh.
Claro que também vencer não significa que o filme chegará a uma audiência de massa. Nem sempre é esse o objetivo, pois Cannes preza muito pela linguagem, pela estética e não exatamente se o filme será amplamente aceito. E isso tudo depende do que acontece na Marché du Film, outro evento importantíssimo que ocorre paralelamente ao principal. Cineastas que esperam encontrar financiamento e distribuidores em busca de maneiras para atraírem o público para filmes estrangeiros, artísticos e de outros nichos, aproveitam esses 10 dias para fazerem seus negócios mais importantes.
Por fim, voltando ao assunto exclusividade, o festival é voltado para a indústria ao contrário de festivais como Toronto e Sundance, em que ingressos para as sessões são comercializados para o grande público e, assim, qualquer pessoa pode comparecer. Não é o caso de Cannes. E isso explica o porquê de Cannes ter tanto prestígio e ser considerado, ano após ano, a meca do cinema mundial por praticamente duas semanas uma vez que as discussões e a receptividade de Cannes aos filmes exibidos moldarão o que assistiremos nos cinemas depois.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)