O mês de outubro chegou e, com ele, cresce a expectativa pela estreia de Assassinos da Lua das Flores, o mais novo filme dirigido pelo mestre Martin Scorsese. Apresentado em Cannes em maio, e produzido pela Apple, o longa-metragem chega aos cinemas brasileiros no dia 20 de outubro (ainda não estão confirmadas sessões em IMAX no país) e depois chega à plataforma de streaming da Maçã (data a ser definida).
Em razão disso, foi uma semana na qual mergulhamos no filme e em Martin Scorsese. Aos 80 anos, ele passou o último mês promovendo o novo trabalho e grande parte da mídia divulgou essas aparições (em entrevistas, revisitando a carreira, etc). A première, inclusive, aconteceu em Nova York na quinta-feira (28/09) para convidados.
Para começar, uma das razões que atraíram Scorsese ao projeto foi a justaposição dos termos “flower moon” e “killers” na mesma frase. A história chegou até ele imediatamente após o término das filmagens de Silêncio, filme lançado em 2016 que acompanha dois missionários jesuítas portugueses enfrentando uma crise de fé enquanto tentam levar o evangelho ao Japão medieval do século XVII.
O diretor conta isso durante sua entrevista à revista TIME e também no vídeo divulgado pela GQ que revisita seus principais filmes, ambas divulgadas há algumas semanas. Ao se aprofundar na história por meio do livro homônimo, escrito por David Grann, o diretor relembra que ele sentiu que precisava contar essa história.
A abordagem, no entanto, não foi a mesma adotada por Grann no livro, que segue o detetive Tom White e sua investigação para entender o porquê de tantas mortes na terra indígena Osage. Essa acabou se tornando a primeira grande investigação do recém criado FBI, então comandado por um ainda jovem J.Edgar Hoover (que já teve cinebiografia dirigida por Clint Eastwood e estrelada por Leonardo DiCaprio).
DiCaprio e Scorsese, em sua oitava colaboração juntos, não estavam confortáveis com a ideia de o filme ser mais uma vez centralizado na figura do homem branco que chega para salvar o dia. Por isso, ambos tiveram que mudar de rota e recomeçaram a história, agora mais focada no romance entre Ernest Burkhart (interpretado por DiCaprio) e Mollie Burkhart (Lily Gladstone, sendo uma das mais cotadas no momento para o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação no filme).
Para Scorsese, tudo remonta aos personagens
Estamos tentando nos controlar para não tornar esse texto muito longo, porque já discutimos bastante certos aspectos da filmografia de Scorsese em um especial quando o diretor completou 75 anos (no antigo Sob a Minha Lente). Mas é importante mencionar que uma das principais características em toda a sua filmografia é que as histórias sempre remontam aos personagens e giram ao redor deles.
Por isso, não chega a ser surpreendente que o diretor tenha decidido uma abordagem diferente ao livro. Caminhos Perigosos (1973), seu primeiro longa-metragem, já continha esse mesmo conceito. E ele ganhou ainda mais força em Taxi Driver (1976) e seu estudo de personagem de Travis Brickle (Robert De Niro).
Desde então, as histórias contadas nos filmes de Scorsese abraçam seus personagens, mesmo quando eles não possuem qualquer moral. Ainda assim, o diretor encontra formas de discutir questões relacionadas à moralidade, fé e como isso se conecta à real natureza humana.
Espiritualidade e Arte caminham juntos
Isso nos provoca a discutir também sobre espiritualidade e arte, dois dos mais importantes e essenciais conceitos presentes na filmografia do diretor. Em uma visita há pouco mais de três meses ao Papa Francisco, Martin Scorsese participou de uma sessão Q&A a qual foi transmitida pelo Vaticano.
No vídeo (assista aqui), como em poucas vezes eu já vi Scorsese falando sobre o tema, ele é bem sincero sobre ambos os elementos e explica como os seus filmes, mesmo às vezes com tanta violência, é uma representação da sua busca para compreender o instinto humano e como isso molda a sociedade ocidental.
Em uma das respostas, ele diz quanto se guiou pelo conceito de Jesus (e o mistério em torno dessa ideia) para a realização dos filmes. As diversas tentativas estão manifestadas em obras diretas como A Última Tentação de Cristo, Kundun e Silêncio, ou mesmo as indiretas que aparecem basicamente em toda a sua filmografia, de Caminhos Perigosos, passando por Depois de Horas, Gangue de Nova Iorque até seus mais recentes trabalhos.
A busca, portanto, de como Jesus se expressa no mundo ao redor é uma força guiadora que o leva a contar histórias. E sim, Scorsese ainda tem algumas para contar ao mesmo templo que ele sabe que o fim está mais próximo, digamos assim.
O que vem pela frente
O diretor tem planos para filmar uma nova história sobre Jesus, inspirado pelo prefácio que o Papa Francisco escreveu para o livro do Padre Antonio Spadrado intitulado “Uma Trama Divina”.
Além deste, Scorsese planeja adaptar para o cinema o livro “Em Casa”, escrito por Marilynne Robinson, trama que acompanha dois irmãos que retornam à cidade natal, com objetivos diferentes, e redescobrem esse lar que sempre buscaram.
Enquanto esses projetos são ainda rascunhados e sequer ganharam forma, ficamos cá com a nossa ansiedade pelo dia 20 de outubro.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)