‘The Sympathizer’ vai da sátira ao drama com habilidade

‘The Sympathizer’ vai da sátira ao drama com habilidade

A nova série da HBO (e exibida também pelo Max), The Sympathizer, estreia sob o prisma de três fatores de qualidade: trata-se de uma produção HBO em parceria com o (queridinho) estúdio A24; é baseada no livro de enorme sucesso literário, vencedor do Pulitzer e escrito por Viet Thanh Nguyen; e, por fim, é dirigida por ninguém menos que Park Chan-wook (Oldboy, Decision to Leave), em sua segunda incursão dirigindo uma minissérie após a ótima The Little Drummer Girl.

Uma frase que abre The Sympathizer diz respeito à memória da guerra depois que os conflitos terminam. Logo, somos conduzidos na trama pelas lembranças de Captain (Hoa Xuande) do seu tempo como agente duplo, atuando como tradutor (e até) confidente do General (Toan Le) no Vietnã do Sul; enquanto também é um espião dos norte-vietnamitas ajudando eles a entenderem os próximos passos do exército do sul que é apoiado pela CIA – representada pela figura do agente Claude (Robert Downey Jr., que ainda viverá múltiplas facetas).

Esse trabalho leva Captain, anos mais tarde, a uma prisão que funciona como campos de reeducação vietnamita no pós-guerra. Ali ele precisa provar que seu trabalho, na realidade, foi para ajudar a causa comunista e não de apoio aos Estados Unidos. E assim ele é forçado a ativar as suas memórias e escrever tudo que se lembra.

Essas lembranças são a pedra fundamental da história e um grande playground para o diretor Park Chan-wook fazer o que ele faz de melhor. Além de contar bem essa história do ponto de vista de um personagem mestiço que mais é considerado americano do que vietnamita, Chan-wook utiliza a sua habilidade com a câmera para provocar cenas que são elegantes pela maneira como são filmadas (movimentos de travellings e tilts que marcam a transição e continuidade entre uma sequência e outra).

E também pontua as memórias de Captain com idas e vindas trazidas sob vários ângulos até fazerem algum sentido.

Captain lembra muito Charlie, a personagem vivida por Florence Pugh em The Little Drummer Girl, com seus ideais, crenças e o qual ser espião não o transformou em alguém frio e calculista. Pelo contrário: Captain tem camadas de ambiguidade que o fazem enxergar as nuances do conflito e daqueles que estão à sua volta de uma forma mais clara.

No mundo da espionagem, como também é possível ver em The Little Drummer Girl, todos estão devidamente disfarçados, jogam com os seus próprios interesses e são hábeis em esconderem a verdade. Mas é crucial assistir o quanto eles também têm conflitos e emoções, algo que The Sympathizer ilustra bem na passagem dentro de um cinema no qual Captain lida com a insegurança e a dor de ver uma informante, que ele mesmo entregou, sendo torturada pelo exército apoiado pelos EUA.

Um ponto ainda mais interessante em The Sympathizer é o quanto tudo isso é utilizado para sublinhar os impactos políticos, culturais e sociais na divisão entre o Norte comunista e o Sul capitalista. Prestes a testemunhar a queda de Saigon com a invasão iminente do norte, Captain chega a perguntar para Claude como ele irá fugir. Cínico, ele responde que é da CIA e “sempre há um jeito”.

Em cenas como essa The Sympathizer equilibra o tom satírico com o peso dramático da mensagem do quanto o Vietnã era só mais uma incursão americana sem qualquer valor. Pois ao passo que os vietnamitas lutavam pela preservação do seu território e cultura, é comum vermos garrafas de coca-cola, budweiser e até o cartaz de um filme de Charles Bronson sendo montado para estrear em Saigon – símbolos da cultura imperialista americana.

A série captura sentimentos complicados que se refletem na perda de casa (a sequência que recria a debandada do sul lembra o que acompanhamos no Afeganistão recentemente) e, principalmente, em como a identidade de um país pode ser desfocada por uma superpotência cuja base imperialista tem o desejo de varrer tudo o que não for associado a ele.

The Sympathizer reserva momentos cômicos nesta sátira, mas na maior parte do tempo é pura sobrevivência – para manter viva a cultura e identidade de um país.