‘Sugar’ vale a pena, mesmo o espectador não sabendo para onde será levado

‘Sugar’ vale a pena, mesmo o espectador não sabendo para onde será levado

Dá para dizer que Hollywood tem um certo fascínio e paixão pelo noir que, vez ou outra, produções são lançadas na tentativa de resgatar ou homenagear esse gênero. Por vezes moldando aos tempos que são lançados, mas outras se entregando por completo ao estilo. Produções recentes como Perry Mason, The Killing, Fargo, Top of the Lake, Drive e Nightmare Alley foram até essa fonte e saíram deixando uma mistura entre experiências boas e outras ruins.

Talvez elas tenham também descoberto que noir não é uma estética fácil de imprimir uma marca. Mesmo que suas características sejam tão bem definidas, ainda assim é complicado encontrar o ritmo e tom corretos. Pode-se dizer que é o que acontece em Sugar, nova série do Apple TV+ estrelada por Colin Farrell e com cinco episódios dirigidos pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles.

Nela, o ator irlandês interpreta o detetive particular John Sugar e a sequência que somos devidamente apresentados a ele se passa toda em preto e branco, quando ele está no Japão a trabalho para um chefe da Yakuza. A cena estabelece o talento, discrição e experiência de Sugar naquilo que faz. Ao retornar para Los Angeles, esses atributos fazem com que ele seja contratado imediatamente para um outro trabalho pelo produtor Jonathan Siegel (James Cromwell), ainda que a sua protetora (e espécie de M) Ruby (Kirby) pense que não seja o momento de pegar um novo trabalho tão rápido.

Algo me diz que ela estará certa em algum ponto do caminho, mas por enquanto acompanhamos apenas John Sugar em suas diligências para investigar o sumiço da neta de Siegel. Em paralelo, a série utiliza (de forma conveniente) a própria paixão de Sugar por filmes de detetive para trazer referências enquanto faz justaposição de sequências que acontecem na série e emulam algumas que também foram apresentadas nos grandes clássicos como O Falcão Maltês (1941), A Morte num Beijo (1955) e The Night of the Hunter (1955), por exemplo.

Não tive problema com isso, apesar do clichê e de ser usado demasiadamente ao longo dos três episódios que foram exibidos até aqui. Por outro lado, Fernando Meirelles e o montador Fernando Stutz fazem algo interessante e criativo com isso naquela sequência já batida quando Sugar precisa sair e conversar com várias pessoas para entender onde está pisando. O que poderia ser algo repetitivo e monótono, se transforma em uma cena realmente digna de ser lembrada.

Mesmo que três episódios não sejam o suficiente para avaliar onde a série parece nos levar, o que é bom e ruim ao mesmo tempo considerando que são apenas oito capítulos e Sugar anda em círculos enquanto se estende no que é chamado de “Piloto”, mas é verdade também que a série tem méritos. Para o espectador que é fascinado pela temática noir, por mistério e uma boa dose de investigação, Sugar é um balde cheio de entretenimento.

Enquanto ainda estamos na superfície vendo o desenrolar do caso e os mistérios que o próprio Sugar esconde sobre a sua vida, seu passado e crises de ansiedade que o tiram da realidade, a série se equilibra bem entre os traumas do personagem e sua obsessão com o trabalho que o transforma em ser especialista no que faz: encontrar pessoas desaparecidas.

Mas, talvez, Sugar precisa mesmo é encontrar a si mesmo, já que até ele parece desconectado do seu corpo. Sugar é uma jornada que vale a pena, ainda que deixe o espectador em suspenso sem saber exatamente para onde está sendo levado.