Meu pai sempre me conta muitas histórias sobre o quanto ele gostava de ir ao cinema da sua cidade-natal, no interior da Bahia, para assistir qualquer coisa que estivesse passando. Não eram tempos de shoppings centers e grandes marcas como Cinemark. Salas de cinema ficavam na rua mesmo, projetadas para fazerem parte do ambiente urbano e vistos, na época, como sinal de desenvolvimento.
Estas salas estão apenas nas memórias de gerações como as do meu pai, que experimentaram a ascensão e queda destes espaços. Em parte, é isso que o diretor Kléber Mendonça Filho (O Som Ao Redor, Aquarius e Bacurau) mostra em Retratos Fantasmas, documentário escolhido para representar o Brasil no Oscar e em exibição nos cinemas. É um retorno ao gênero que o levou a estrear como diretor, 13 anos depois de lançar o documentário Crítico (2011), construído a partir de entrevistas com críticos de cinema que discutem sobre “o assistir filme”.
Retratos Fantasmas vai em uma outra direção, mas encontra algo comum: o amor de Kléber Mendonça Filho por essa arte. Também narrador nesta nova incursão, ele parte de como a paisagem urbana do Recife, e particularmente do apartamento onde cresceu e do bairro onde morou por toda a vida, sofreram mudanças radicais para se adaptarem à ganância das incorporadoras imobiliárias.
Dessa experiência de observação pessoal, Retratos Fantasmas chega no xis da questão ao mostrar a decadência dos cinemas de rua. Para isso, Kleber Mendonça Filho recupera antigas filmagens de quando ainda era estudante e frequentador assíduo desses espaços no Centro do Recife. Das ruas movimentadas, cinemas cheios e grandes investimentos da alta sociedade da época (décadas de 60 a 80), até o sumiço disso tudo e grande abandono.
O que para mim é essencial em Retratos Fantasmas, e que torna esse documentário de Kleber Mendonça Filho uma carta de amor aos filmes e a esses cinemas, é a forma como ele direciona a câmera para mostrar a beleza desses lugares (as construções imponentes e as telas gigantes) mesmo quando tudo o que vemos são ruínas.
Mendonça Filho adota um tom melancólico, tanto em sua voz quanto nas filmagens recentes que fez, mostrando que boa parte dessas salas se transformaram em templos evangélicos – ao mesmo tempo que o Centro do Recife (e dá para afirmar isso sobre qualquer capital do Brasil) ocorre um boom de farmácias a cada esquina.
A abordagem intimista de Mendonça Filho nos ajuda a reforçar o que outros cineastas, como Scorsese e Nolan, têm refletido e dito sobre preservar a experiência de assistir filmes nos cinemas. É simplesmente para não deixar esses espaços se transformarem em fantasmas e desaparecerem diante dos nossos olhos.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)