‘Zona de Interesse’ mostra as atrocidades do Holocausto como poucas vezes vista

‘Zona de Interesse’ mostra as atrocidades do Holocausto como poucas vezes vista

O cinema já produziu diversos filmes sobre a Segunda Guerra e o Holocausto, de A Lista de Schindler (perto de completar 30 anos) a O Pianista. E mais recentemente, o assunto voltou a ser alvo de análises em séries como The New Look e Masters of the Air (leia aqui), ambas da Apple TV+.

Zona de Interesse, dirigido por Jonathan Glazer (Sexy Beast, Sob a Pele) e baseado no livro de Martin Amis, é no entanto um filme muito diferente (do próprio livro) e de outras histórias que já abordaram o conflito. Isso porque o longa provoca o testemunho do que significa viver sob um regime autoritário cujo único propósito é o genocídio brutal e em massa – dos judeus, neste caso.

A partir da perspectiva do lado alemão da história, a câmera de Glazer acompanha Rudolf Hoss (Christian Friedel), comandante do campo de concentração de Auschwitz, e a vida comum que leva com a esposa Hedwig (Sandra Huller) e seus filhos, enquanto moram em uma casa confortável e espaçosa ao lado de Auschwitz. Em vários quadros é possível ver essa família feliz, brincando na piscina, aproveitando o jardim e fazendo picnic, enquanto do outro lado do muro uma fumaça preta sai da câmera de gás onde os judeus eram assassinados.

Duas realidades, e cotidianos, bem diferentes convivendo lado a lado. Um de opressão e sufocamento. E o outro de poder e superioridade.

O filme produz imagens e sons muito fortes, mesmo que nunca mostre o interior do campo de concentração em si. Zona de Interesse utiliza o design de som de gritos e tiros que ocorrem no exterior à residência e funcionam como mais um elemento de tensão, pois nos faz imaginar todos os tipos de horrores que acontecem vizinho à casa.

Outra decisão tomada por Glazer é de manter a câmera sempre distante deles, capturando a frieza e o cotidiano. Econômica nos movimentos, a filmagem é majoritariamente estática (alguns travellings servem como um passeio pela propriedade), mas é quase como se a câmera estivesse também perplexa – sentimento que se mistura com o repúdio.

Essa forma estética engessada e tão presa ao estilo apresenta um lado ruim – mesmo funcionando a favor da trama em boa parte do tempo. É que, sob a minha lente, fica parecendo que Jonathan Glazer está mais preocupado com a maneira de filmar do que necessariamente pensando na história (e nas barbaridades contidas nela).

Ao mesmo tempo, Zona de Interesse nos leva a questionar o quanto os integrantes daquela família são humanos, pois a forma banal de como eles se divertem e fazem planos (inclusive de plantar árvores para elas crescerem e blindarem o muro do campo de concentração) indicam justamente o oposto.

Zona de Interesse é um filme que nos deixa horrorizados, tendo o mesmo peso de Assassinos da Lua das Flores (leia aqui). Em ambos os personagens têm conhecimento sobre as atrocidades que acontecem, mas eles simplesmente ignoram e olham para o outro lado. É chocante e perturbador, de uma forma que pouquíssimas vezes foi mostrado.