‘A Conversação’ é obra-prima de Coppola e mais atual do que nunca

‘A Conversação’ é obra-prima de Coppola e mais atual do que nunca

Francis Ford Coppola é bastante lembrado, de maneira justa, por seu trabalho na trilogia O Poderoso Chefão. A Conversação (1974), no entanto, um filme menos conhecido, com orçamento menor mas reconhecido ao vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes e receber três indicações ao Oscar, é também um trabalho memorável do diretor e mantém sua relevância nos dias atuais.

Para explicar o porquê de um filme dos anos 70 ser relevante ainda hoje basta dizer sobre o que ele trata: vigilância tecnológica.

Harry Caul (Gene Hackman) é contratado por um cliente (Robert Duvall) para grampear a conversa do casal Mark (Frederic Forrest) e Ann (Cindy Williams) enquanto estes andam pela Union Square em São Francisco no meio de performances circenses, músicos e moradores de rua.

Coppola costuma dizer que esse é o seu trabalho mais pessoal. Escrito e dirigido por ele, a trama se baseou nas escutas que vieram à tona no escândalo de Watergate e na tragédia que foi a guerra do Vietnã. Assim, Harry é um produto desse momento tenso e conturbado.

Ele não é necessariamente uma pessoa ruim. No entanto, quando ele sincroniza as gravações da conversa e ouve a fita, Harry se vê numa encruzilhada moral ao perceber que o diálogo entre eles revela fortes indícios de um assassinato prestes a acontecer. A partir daí, ele passa a conviver com a dúvida se entrega ou não as gravações para o seu cliente.

Esse conflito se transforma em uma oportunidade para conhecermos mais sobre Harry, sua profunda fé (ele não gosta quando citam os nomes de Deus ou Jesus em vão), seu método detalhista de trabalho cujo reconhecimento é compartilhado pelos pares desta “indústria” e sua obsessão (ou paranoia) com as possibilidades dessa tecnologia que ele usa para ganhar dinheiro ser usada também, de certa maneira, para espioná-lo.

Gradualmente, A Conversação vai se tornando um filme que segura esse mistério se de fato um assassinato pode ou não acontecer – ou se já aconteceu. Isso graças à direção de Coppola e a fotografia de Bill Butler (Tubarão), que utilizam bem os efeitos dos próprios cenários para estabelecerem tensão (a sequência em que Harry caminha no corredor do prédio escondido pelos espelhos azuis que compõem a fachada), enquanto a trilha composta por David Shire (Zodíaco) transforma A Conversação em um verdadeiro thriller psicológico.

Nesse sentido, o filme de Coppola se diferencia de Depois Daquele Beijo (1967), dirigido por Michelangelo Antonioni. Nele, Thomas é um fotógrafo cujas imagens que ele tira de um casal no parque pode ter documentado, sem querer, um assassinato. Antonioni trata ali do culto à celebridade e da efeverscência cultural no cenário londrino da época, enquanto que a discussão no filme de Coppola é outra e dá mais atenção ao tom de mistério e suspense.

A Conversação é relevante porque reflete sobre a linha tênue entre privacidade e tecnologia, ao mesmo tempo que é um estudo de personagem. No centro, um homem solitário e que vive a vida pela curiosidade de saber o que os outros estão falando. É impossível saber se o crime acontece ou se o que vemos na tela é, a partir de um determinado momento, fabricado pela mente paranoica do nosso protagonista.

Por isso é um filme tão fascinante, levando o espectador às catarses que só a mente humana pode produzir.

Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)