O serviço de streaming Prime Video estreou na última semana Cangaço Novo, nova produção nacional comandada pela O2 Filmes para a Amazon. Com oito episódios, Cangaço Novo busca atualizar o significado de cangaço para os nossos tempos contemporâneos. No passado, os cangaceiros nordestinos andavam em bandos, armados e desafiavam os grandes fazendeiros da época, insatisfeitos pelas condições precárias e injustiças sofridas pela população nordestina.
Esse sentimento de injustiça e falta de oportunidade são motores para a trama de Cangaço Novo. Ubaldo (Allan Souza Lima, de A Menina que Matou os Pais/O Menino que Matou meus Pais) trabalha em São Paulo como bancário. Mas se vê sem perspectiva ao ser demitido — e o pai adotivo internado precisando de remédios caros para continuar o tratamento, A sua saída é voltar ao Ceará atrás de uma herança que ele descobriu recentemente e ligada à sua antiga família.
Mas ao chegar na fictícia cidade de Cratará, no sertão cearense, Ubaldo precisa se reconectar com um passado que ele não conhecia. Primeiro, as irmãs Dinorah (Alice Carvalho, em uma atuação espetacular) e Dilvânia (Thainá Duarte), as quais também são responsáveis pelas terras que ele tenta se desfazer para pegar o dinheiro e voltar para São Paulo.
Se nos tempos antigos os problemas no cangaço se resumiam aos grandes fazendeiros, na atualização contemporânea de Cangaço Novo esse vilão é representado pelo banco e corrupção, instalados na região e que dá um choque de realidade em Ubaldo quando o gerente comenta todas as taxas, multas e juros que ele precisaria arcar para não deixar as terras irem à leilão e receber, portanto, só uma mixaria por elas.
Mas na cidade, além desse choque e de se vê em um ambiente tão diferente da cidade grande que é São Paulo, Ubaldo também presencia um grande assalto — desses que vemos no noticiário quando o bando fecha até entradas da cidade, ataca delegacias, fura pneus de carros policiais e saqueia os bancos aterrorizando moradores.
Quando assistimos essa descrição toda em um noticiário até criamos uma cena cinematográfica na nossa cabeça. E é justamente o que fazem Aly Muritiba (diretor e criador da série, responsável pelo ótimo Deserto Particular) e Fábio Mendonça (que dirige o Piloto e outros dois episódios da primeira temporada formada por oito capítulos). Ambos criam um espetáculo visual digno de um bom faroeste, com sequências de ação bem articuladas, embaladas com tensão e reviravoltas surpreendentes.
Cangaço Novo faz lembrar filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (a sequência de abertura é uma clara referência), Mad Max e Bacurau, mas sabe encontrar sua própria identidade pelo elenco que juntou. A fotografia brilha com as luzes de um sol limpo e sem poluição quase sempre dissipada por um cinza que se mistura a ela para representar as condições precárias vividas por seus habitantes.
A trama de Cangaço Novo, obviamente, bebe da história de Lampião porque, à medida que avança, revela camadas de corrupção, impacto da seca e até ações amorais dos cangaceiros. Ao explorar os conceitos do novo canganço, marcados por esses assaltos cinematográficos, Aly Muritiba retrata essa região nordestina com a crueza e verossimilhança nessecessárias para nos transportar para aquela realidade.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (`link)