Já estava perto de fazer 10 anos que o diretor Michael Mann (Colateral, Fogo Contra Fogo) não lançava um filme sequer. Sua contribuição mais recente na cadeira de diretor foi no episódio ‘Piloto’ de Tokyo Vice, série que está na HBO Max. Em Ferrari, cujo roteiro é assinado por Troy Kennedy Martin a partir de biografia escrita por Brock Yates, o cineasta mergulha na figura mítica de Enzo Ferrari (interpretado por Adam Driver) e em como ele revolucionou os carros de corrida para sempre.
O roteiro, no entanto, não tenta cobrir toda a carreira de Ferrari e foca a narrativa no pós-guerra, mais precisamente nos eventos que acontecem em 1957 quando Enzo Ferrari está com dificuldades de manter a sua empresa. No âmbito pessoal ele também enfrenta problemas: um casamento de fachada após a morte prematura do filho-herdeiro e disputas com a mulher, Laura Ferrari (Penélope Cruz, ótima no papel), enquanto ao mesmo tempo mantém uma vida com Lina Lardi (Shailene Woodley) e o filho desse relacionamento Piero Lardi (Giuseppe Festinesse).
A saída de Enzo Ferrari para colocar a vida e a empresa nos trilhos é apostar as fichas na corrida Mille Miglia, cuja vitória lhe daria mais oportunidades de vender carros esportivos e abriria, ainda, possibilidades de uma fusão para financiar sua verdadeira obsessão: ter seu nome, e suas habilidades como engenheiro, ligado às pistas.
Nas sequências de corrida, e principalmente na disputa pela Mille Miglia, Michael Mann faz um trabalho extraordinário e praticamente nos coloca no cockpit – parece até cena do jogo Gran Turismo, quando é possível mudar a câmera para o ponto de vista do piloto, para planos mais abertos ou naquela câmera bem no nível da pista.
Até mesmo os acidentes são filmados com uma crueza impressionante, trazendo realidade ao filme. Esse excesso, que torna essas sequências viscerais, lembra muito as filmagens de George Miller em Mad Max: Estrada da Fúria.
Entretanto, sob a minha lente, Ferrari deixa a desejar no storytelling. Parece que a única coisa que funciona são estas sequências de ação, enquanto que o resto (conflitos, nuances e emoção) estão fora do lugar e desconectados da narrativa, que não encontra um equilíbrio ou coesão para que funcionem bem juntos como deveria ser.
Apesar de faltar emoção de um lado, mesmo quando o filme tenta questionar o custo da obsessão de Ferrari quando acidentes fatais acontecem durante as corridas, Penélope Cruz se destaca por justamente trazer conflito, interpretando uma mulher que está sempre furiosa e perdida enquanto ainda carrega o luto pela perda do filho e de aceitar as vontades de Ferrari.
Ferrari poderia ser um filme ainda melhor se a emoção e os conflitos que ele busca narrar fossem tão convincentes quanto as sequências nas pistas.