A sequência de abertura de Past Lives, com estreia adiada no Brasil mas já no streaming nos Estados Unidos, revela o tom do filme muito claramente. A câmera de Celine Song, estreando na direção de longas-metragens e cuja história do filme é baseada em sua própria experiência pessoal, captura o trio de personagens no bar à medida que uma narração ao fundo questiona o que será que eles são.
Ou melhor, qual o estado de relacionamento no qual eles se encontram: se o rapaz coreano é namorado da coreana; se o americano, quieto ao fundo, é amigo dos dois; ou é namorado da coreana, mas está em silêncio porque não entende o que aqueles amigos coreanos de longa data estão falando.
Isso ajuda a diferenciar Past Lives de outros filmes como a trilogia de Richard Linklater (Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes do Anoitecer), ao colocar duas pessoas que se reencontram em Nova York e passam o dia juntas. Com menos melodrama e mais maduro, Past Lives permite reflexões que vão além do que assistimos na tela.
Para contar essa história, Celine Song transporta a audiência para a Seul, na Coréia do Sul, de 24 anos atrás. Ali, a pré-adolescente Na Young (Seung Ah Moon) está prestes a emigrar para o Canadá com os pais e sua irmã. Mas tem um garoto na escola, Hae Sung (Seung Min Yim), de quem ela gosta e o sentimento é mútuo. Inteligentes e amigos, eles competem pela nota mais alta, por quem sabe mais e essa é apenas uma faísca do que de fato um sente pelo outro.
Após essa introdução e rotina que estabelece a trama, e também o conflito dela, Past Lives avança doze anos enquanto os personagens, adultos, seguem a vida, crescem e se desenvolvem em países diferentes.
Na Young, que agora se chama Nora (Greta Lee, em soberba atuação) vive em Nova York em busca da sua carreira como escritora, enquanto que Hae Sung (Teo Yoo) segue sua carreira de engenheiro. Os dois conseguem se reencontrar por meio do Facebook e começam a passar tempo juntos pelo Skype conversando. É como se estivessem namorando à distância, até que as bifurcações nos caminhos de ambos novamente os afastam.
Mais doze anos se passam até que eles se reconectam novamente, quando Hae Sung finalmente decide visitar Nova York. Com o reencontro, Celine Song retoma também o visual apaixonante que cerca os dois personagens e lembra as primeiras sequências de ambos ainda crianças. Não há qualquer interação física entre os dois, mas é possível sentir que há algo de especial na forma como se olham, na empolgação com que os diálogos são falados e também como sorriem um para o outro.
Past Lives também discute imigração e como essa experiência marca a vida de alguém. Deixar toda uma cultura para trás reflete nos relacionamentos de Nora que, casada com Arthur (John Magaro) e restabelecendo essa conexão com Hae Sung (e com seu passado juvenil), a faz também se sentir menos coreana como ela própria confidencia em determinado momento.
Romântico e maduro o suficiente para filosofar pensamentos sobre a vida, Past Lives faz os personagens questionarem o que teria acontecido se Nora não emigrasse, se isso seria suficiente para ela e Hae Sung estarem juntos ou o que seriam da vida de ambos se eles tivessem crescido em Seul e não separados um do outro.
Nessa mistura que junta nostalgia, remorso, afeto e amor, o filme de Celine Song se posiciona como diferente em relação às outras produções similares ao não buscar o melodrama fácil ou da tentação de transformar a história em um fútil triângulo amoroso. Song protege o sentimento especial entre Nora e Hae Sung ao mostrar que, no fim, o vínculo e a conexão especial que um tem pelo outro é tão eterno como se estivessem de fato juntos.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)