A Netflix lançou em sua plataforma, de quarta a sexta-feira, quatro curtas-metragens dirigidos por Wes Anderson adaptados de alguns dos principais contos do autor infanto-juvenil Roald Dahl, cuja obra esteve envolvida em uma polêmica nesse ano quando a editora e a família responsável pelo espólio do escritor resolveram reescrever algumas expressões de seus livros. Nada mais de termos como “gordo” ou “preto”, para citar alguns.
Deixando isso de lado, pois é uma discussão para outro texto (de antemão, digo que sou contra esse tipo de revisão), Wes Anderson encontra na prosa de Roald Dahl mais uma maneira de continuar expandindo (ou experimentando) seu estilo de contar histórias.
Os curtas-metragens A Incrível História de Henry Sugar, O Caçador de Ratos, O Cisne e Veneno são todos adaptados de contos escritos por Dahl. Porém, esse texto se concentra em A Incrível História de Henry Sugar, o mais longo dentre eles (34 minutos), exibido no Festival de Veneza – o que indica que a Netflix cogita uma campanha para o Oscar – e que serve de elo para os demais.
Centrado em Henry Sugar (Benedict Cumberbatch), a história acompanha o seu protagonista quando ele descobre um relatório médico sobre um homem indiano que é capaz de ver mesmo com os olhos fechados. Essa técnica lhe dá uma grande ideia: criar um truque para também enxergar quais cartas e naipes estão nas mãos de outros jogadores e, assim, ganhar muito dinheiro em apostas.
Essa história, em particular, reflete um otimismo em seu final que não aparecem nos outros curtas-metragens. Isso porque Anderson coloca o trapaceiro como filantrópico, capaz de fazer fortuna e investir na criação de hospitais e orfanatos ao redor do mundo.
Mas não é a trama que acaba se destacando. Mais uma vez, ela apenas se torna um meio para Anderson explorar a sua maneira de filmar. Simetria, tons pasteis, a meticulosa precisão na mise-en-scène, os movimentos lineares e todos os outros elementos que comentei nesta edição se fazem presentes.
Só que o diretor vai além: em todos os curtas, Anderson incorpora a prosa escrita de Dahl na narração dos personagens. Assim, o grande aspecto teatral tão marcante em seus longas aqui ganham vida porque a história se passa em um grande palco. E isso enriquece as adaptações.
Um momento que ilustra isso muito bem é quando uma equipe de maquiagem entra em cena e troca a peruca de um dos personagens em Henry Sugar, ou mesmo em Veneno quando um ajudante de palco borrifa suor na careca de Ben Kingsley para mostrar o quanto a situação exigiu esforço e preocupação.
Momentos que realmente quebram a artificialidade e precisão do texto ser narrado de uma forma tão robótica que, às vezes, cansa. Até mesmo a estética de Anderson, de tão repetida em seus filmes, torna-se cansativa.
Isso não desmerece o fato de todos os curtas serem, logicamente, tão bem executados e totalmente fiéis aos contos. A linguagem de Dahl brilha tanto quando a forma de Wes Anderson.
É como se literatura e cinema se fundissem de maneira perfeita, mas perdendo um elemento essencial em ambos: a emoção.
Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)