John le Carré abre o jogo sobre sua obra como nunca se viu em ‘O Túnel de Pombos’

John le Carré abre o jogo sobre sua obra como nunca se viu em ‘O Túnel de Pombos’

Para John le Carré, um dos autores mais famosos de espionagem, é praticamente impossível conhecer profundamente uma pessoa durante uma entrevista – ou um interrogatório. Não sei se é verdade. Vindo de um ex-espião, no entanto, confio no que ele disse. Mas em O Túnel de Pombos dá para dizer que se chega bem perto disso.

Disponível na Apple TV+, o documentário dirigido por Errol Morris (um exímio entrevistador e homenageado na edição de 2023 da Mostra de Cinema de SP) celebra a carreira de John le Carré como uma espécie de “canto do cisne”, uma vez que o escritor viria a morrer um ano depois depois das filmagens, no final de 2020 aos 89 anos.

O formato de O Túnel de Pombos é algo que Errol Morris desenvolveu ao longo de vários trabalhos como diretor, fazendo longas entrevistas no qual um único personagem é o tema central da sua narrativa.

Muito por causa do seu talento como entrevistador e de saber fazer mesmo as perguntas que parecem difíceis, a narrativa dos seus filmes (e que se repete nesta recente obra) nunca cansa.

Até pelo fato dos entrevistados estarem diante de Errol Morris deve deixá-los mais confortáveis para falarem o que estão sentindo. Algo que fica bastante claro com John le Carré, no qual ele passa pela infância difícil, o relacionamento conturbado com o pai, a ausência da mãe e como escrever é o mais próximo que ele conseguiu chegar de se sentir feliz.

Tudo isso moldou sua escolha de ser um espião, quando trabalhou no MI5 e em posições na Alemanha durante a Guerra Fria, e também de ser um romancista cujas histórias de espiões como George Smiley inundaram livrarias no mundo e ganharam diversas versões no cinema e na televisão.

Ao final, o que me parece primordial que Errol Morris arranca da personalidade retraída e sedutora de John le Carré com suas perguntas é a busca do autor por sentido. E ele só conseguia refletir sobre isso escrevendo e pensando em personagens, que eram baseados ora em seu próprio pai outras naquilo que tinha vivido como espião – como conflitos envolvendo traições e mentiras que precisou contar.

O Túnel de Pombos retrata o quão complexa foi a vida de John le Carré, enquanto merecidamente presta homenagem a um autor que estabeleceu quase que um gênero literário com seu nome.

Texto originalmente publicado na newsletter Sob a Minha Lente (link)