Disrupções vêm pontuando a forma como vivemos há anos, chegando a todos os setores. Com a arte, especialmente os filmes, não é diferente. Controvérsias também fazem parte dessas transformações, como a transição do cinema mudo para o uso do som na década de 20.
Agora estamos testemunhando mais uma revolução, que oferece preocupações ao mesmo tempo que é inevitável. Sim, você acertou se pensou em Inteligência Artificial, ou IA, e Inteligência Artificial Generativa (IA-Gen).
Esse é o principal tema de discussão atualmente na indústria cinematográfica, seja em Hollywood, na Europa, em Bollywood, em qualquer lugar. A própria greve de Atores e Roteiristas que paralisou todas as atividades em 2023 veio para alertar sobre alguns riscos.
É uma preocupação válida: IA-Gen, cujos “modelos generativos aprendem padrões em dados não estruturados e, quando apresentados com novos dados, as máquinas (ou algoritmos) usam esse conhecimento para gerar novos dados”, pode, assim, criar texto (na forma de histórias, roteiros, resenhas, anúncios), campanhas de marketing, imagens em movimento (ou estáticas), etc.
Elementos que dão forma e estilo ao que assistimos, podendo ser feito por uma máquina e não mais por humanos.
Olhando para os dois lados da história
O uso desse tipo de tecnologia não está acontecendo por acaso e é preciso entender o contexto. Segmentos da indústria enfrentam pressões econômicas, pois os estúdios pressionam por mais produtividade para realizar um produto (o filme) dentro de um orçamento razoável, enquanto que distribuidoras e exibidoras pedem aumento da demanda para manterem a audiência consumindo e engajada.
Essa complicada equação gera o efeito do imediatismo nos estúdios, o que provoca lançamentos cada vez maiores de filmes derivados de produções passadas (refilmagens, sequências, etc). Esse conceito, ou problema, se encaixa perfeitamente no propósito das tecnologias baseadas em IA-Gen, que é justamente treinar os algoritmos em conteúdos passados.
A partir disso, começam a surgir os riscos e principais questionamentos. No momento que ferramentas baseadas em IA podem sugerir histórias, diálogos, arcos de personagens, então para onde vai a propriedade intelectual?
Uma coisa é usar IA para efeitos visuais, imagens geradas por computador (CGI) ou, nos casos mais recentes, para processos de de-aging como aconteceu em O Irlandês, Indiana Jones e outros títulos. Outra, bem diferente, é criar histórias e utilizar vozes e rostos dos atores sem consentimento deles.
Abraçar a tecnologia, mas com ressalvas
É comum em momentos assim de disrupção que comece a discussão para demonizar ou não uma nova tecnologia. É importante que a indústria dos filmes, como qualquer outra, aperfeiçoe seus processos, tente ser mais produtiva e consiga ficar no verde.
Particularmente, meus problemas com a adoção dessa tecnologia é mais sobre a maneira como esses algoritmos são treinados para simplesmente absorverem tudo e sem preocupação com os direitos autorais.
Pior ainda é pensar que a IA-Gen pode substituir parte do trabalho feito por escritores humanos, artistas e outros profissionais criativos que são os verdadeiros responsáveis por colocarem emoção e originalidade nas histórias.
A partir do momento que se comece a pensar em fórmulas para desenvolver um filme, tudo isso se perde. Passaremos a ter mais conteúdos iguais e estereotipados.
Por outro lado, vejo com bons olhos as movimentações da Warner e 20th Century Studios, que fecharam parcerias com Cinelytic e Google respectivamente. Objetivo em ambos os casos é se informar melhor, ou seja, ter uma cultura baseada em dados para tomar decisões sobre datas de lançamento, marketing e estratégias de distribuição.
Vale a pena repetir: estamos falando de uma indústria. Então negar sua aproximação com IA-Gen é virar as costas para o futuro e a inovação.
Para nós que gostamos de histórias originais, criativas e emocionantes, temos que nos agarrar ao fato de que, não importa o quanto essa tecnologia cresça, ainda se fará necessário um elemento humano real para ser utilizada.